<em>Standards</em>

Francisco Silva
Está a ser comemorado o 20.º aniversário da adopção [da versão inicial] da «norma» - ou standard - GSM, no Funchal - esta, presumivelmente a norma que mais rápida e profundamente penetrou através da Humanidade, dos membros da nossa espécie, os sapiens sapiens, como com certo orgulho nos auto-intitulamos. Com efeito, acontece que o número de utilizadores total desta tecnologia de telemóvel atingiu já os 2 «biliões», ou seja, os 2 milhares de milhões durante a primeira metade de Junho de 2006. E o contador continua a avançar (ver www.gsmworld.com ), com uma cadência de 1000 novos utilizadores por minuto, ou seja, 18 por segundo.

Isto mesmo vinha eu a pensar durante a minha viagem de volta de Chicago para Lisboa, onde passara uma semana participando numa reunião profissional de organizações de normalização das telecomunicações da Europa, dos EUA, do Canadá, da Austrália, da Coreia do Sul, do Japão, e da RP da China, bem como a União Internacional das Telecomunicações, a Agência da ONU para o Sector, com objectivo de coordenar objectivos «globais». Isto mesmo vinha eu a pensar quando, sobre o Atlântico, já tinham sido apagadas as luzes da cabina para que os passageiros pudessem dormir, e quando já se tornava difícil fazer outras coisas como, por exemplo, continuar a ler o livro ou, vá lá, o jornal ou a revista.
E vinha a pensar nestas coisas, na força da(s) norma(s) GSM, enquanto contrastava esta situação com aquela por que passamos quando estamos nos EUA, e também no Reino Unido, para citar duas situações pelas quais passei recentemente. Estou a referir-me à questão das diferenças entre as tomadas de energia eléctrica - e, claro, das fichas que nelas não é possível encaixar. Dantes, talvez alguns viajantes tivessem encontrado estas dificuldades quando de manhã se queriam barbear e a ficha da sua máquina não encaixava na tomada de energia eléctrica. Mas agora a questão é mais grave. Agora é o não poder ligar o computador ou recarregar o telemóvel. A barba podia ficar por fazer, ou podia comprar-se ou pedir na recepção do hotel uma gillete (passe a publicidade), e o problema ficava resolvido. Mas, e o email, e os documentos de trabalho, a navegação na web, os jogos, o telemóvel, as necessidades de comunicação, nomeadamente com a família, que fazer? Ser explorado nos telefonemas pelo hotel? Levam-se os documentos em papel na mala para a reunião? E os documentos que já são publicados durante a nossa viagem, quantas vezes os mais importantes?

Bem, quer dizer Mal. Foi o que me aconteceu em Chicago, onde cheguei num Sábado à noite ao hotel longe do centro da cidade, numa região quase despovoada, e onde passei os sete dias seguintes em reuniões. Não tinha trazido os adaptadores de ficha necessários. Não poderia ligar o computador, cuja carga tinha sido esvaziada no avião. A carga do telemóvel chegava ao fim e o seu carregador não encaixava nas tomadas. Como seria na reunião? Teria que ir ao centro de Chicago na segunda feira à procura de um adaptador? Comecei por descer do 14.º andar até ao rés do chão, fui à recepção. Despacharam-me para um telefone de onde me prometeram resolver o problema, mas nada. Por sorte, um colega neerlandês da nossa delegação salvou-me pois tinha trazido adaptadores de sobra…

Há bastante tempo que esta particularidade da normalização «eléctrica» que protege empresas «nacionais» foi notada. E. não obstante o fortíssimo sector de organizações de normalização - a Comissão Electrotécnica Internacional (CEI), a Comissão Europeia de Normalização Electrotécnica (CENELEC), os organismos nacionais -, ou, como já tem sido dito, porque existe um tão forte sistema de normalização, a situação conseguiu manter-se até hoje. Já na área das comunicações electrónicas a situação é diferente. E, mesmo havendo uma norma EUA diferente do GSM, chega-se aos EUA, ou ao Brasil(1), e consegue-se comunicar para Portugal ou para as outras redes GSM…
Nas comunicações electrónicas a normalização sempre foi uma necessidade desde finais do século XIX. De outra forma, não teria sido possível constituir uma rede de telecomunicações que funcionasse, assim, a nível mundial. O GSM é talvez o seu fruto mais espectacular, é a palavra, até o presente.

(1) - A maior operadora da América do Sul, a VIVO (propriedade a meias da PT e da Telefónica), utiliza a referida tecnologia dos EUA e, nem por isso, um cliente de uma operadora GSM deixa de poder comunicar com um cliente da VIVO (de qualquer forma, tal é a força de uma norma como o GSM, que mesmo esta operadora vai mudar para ela).


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